Sistema de Cotas em concursos públicos: como funciona e qual a sua importância.

8/3/20255 min read

Cotas raciais em concursos públicos: como funciona e a sua importância

O que são as cotas raciais nos concursos:

A Lei Federal nº 12.990/2014 estabelece a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos que se autodeclaram pretos ou pardos. Essa reserva aplica-se aos cargos efetivos e empregos públicos na administração federal (direta e indireta), empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União. A Lei exige que o edital especifique esse percentual de vagas reservadas para cada cargo. Em 2025, uma nova lei (15.142/2025) revalidou e ampliou a política: passou-se a reservar 30% das vagas, distribuídas em 25% para pessoas negras, 3% para indígenas e 2% para quilombolas. Essas cotas raciais visam corrigir distorções históricas, garantindo maior representatividade de grupos sub-representados no serviço público.

Inscrição e verificação dos candidatos cotistas:

  • Autodeclaração: No ato da inscrição, o candidato que deseja participar das vagas reservadas deve se autodeclarar preto ou pardo, de acordo com o critério oficial do IBGE. Essa é a porta de entrada para as cotas raciais.

  • Verificação posterior: Após as provas, os editais podem prever comissões de heteroidentificação (avaliação externa) para confirmar a veracidade da autodeclaração. Com base na nova lei de 2025, uma comissão especializada analisará a declaração racial do candidato. No caso de indígenas e quilombolas, exige-se ainda documento de vinculação à comunidade.

  • Penalidades: Se ficar comprovado que um candidato declarou-se negro(a) falsamente, ele é eliminado do concurso, e, se já tiver sido nomeado, perde a vaga. Ou seja, a lei pune qualquer tentativa de fraude no uso das cotas. Importante: mesmo concorrendo pelas cotas, o candidato cotista disputa simultaneamente também as vagas de ampla concorrência (não cotistas). Se for aprovado na ampla concorrência, não ocupa vaga extra nas cotas – ele apenas soma ao total de classificados normais. Dessa forma, as cotas ampliam as chances sem prejudicar a concorrência geral.

Contexto social e histórico:

As cotas raciais têm base em um contexto histórico de desigualdade no Brasil. Apesar de pretos e pardos somarem mais da metade da população brasileira (cerca de 55% em 2018), eles continuam sub-representados em posições de destaque na administração pública e no mercado de trabalho. Dados oficiais do IBGE mostram que negros ocupam apenas 29,9% dos cargos gerenciais no país, e correspondem a 64,2% dos desempregados e 66,1% da população economicamente subutilizada. O rendimento médio de trabalho de brancos foi 73,9% superior ao dos pretos/pardos, evidenciando o grande fosso econômico. Além disso, pretos e pardos são 75,2% dos 10% mais pobres do país e apenas 27,7% dos 10% mais ricos. Essas desigualdades persistentes resultam da herança da escravidão (abolida em 1888) e de um racismo estrutural que se manifesta na educação, saúde e segurança. É justamente para superar essas disparidades históricas que as cotas raciais foram instituídas.

Embasamento jurídico:

A política de cotas raciais repousa nos princípios constitucionais da igualdade material e da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988 proíbe preconceitos e autoriza medidas de ação afirmativa para grupos vulneráveis (art. 3º, IV; art. 5º e 37, incisos VIII e IX, quando considerado o precedente das cotas para pessoas com deficiência). O Supremo Tribunal Federal já assentou que critérios raciais podem ser adotados para igualar oportunidades historicamente desiguais. Como observado por parlamentares, a lei de cotas “constitui uma medida eficaz no combate à discriminação, ao preconceito e na promoção da igualdade de oportunidades para grupos historicamente marginalizados”. Na prática, as cotas não substituem mérito: elas garantem que, no mínimo, a proporção de negros classificados em um concurso seja compatível com sua participação na população. Segundo o Ministério da Gestão, a nova lei de 2025 “corrige desigualdades históricas no acesso ao serviço público, assegurando que, ao término do processo seletivo, a representatividade seja garantida entre os aprovados”. Ou seja, as cotas são medidas temporárias de reparação para um problema histórico.

Campanha do governo federal para o Concurso Público Nacional Unificado (CPNU-2) destacou “diversidade e inclusão” e informou que mais de 250 mil pessoas se inscreveram por cotas em 2025. Esse exemplo oficial ilustra o alcance da política: as novas cotas ampliaram a participação de pretos, pardos, indígenas e quilombolas nos concursos públicos.

Comparações internacionais:

Políticas de ação afirmativa por motivos raciais ou sociais existem em várias partes do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, há décadas o governo incentiva a presença de minorias em universidades e cargos públicos por meio de affirmative action, ainda que não existam cotas rígidas por lei. A Índia reserva cerca de 50% das vagas no serviço público para castas historicamente discriminadas (Dalits, Adivasis, classes atrasadas), desde a constituição pós-independência. Na África do Sul pós-apartheid há programas de preferência para negros nos concursos públicos e nas universidades. Esses exemplos mostram que diferentes sociedades reconhecem a necessidade de intervenções especiais para corrigir legados de desigualdade.

Rebatendo argumentos comuns contrários:

É só mérito, não cota.” – As cotas não eliminam a avaliação por mérito: candidatos cotistas ainda fazem as mesmas provas e podem ser aprovados pela ampla concorrência normalmente. As cotas apenas asseguram vagas mínimas para negros aprovados, aumentando a representatividade. Segundo o governo, a iniciativa “promove uma seleção mais equitativa, com representatividade social”. Vários estudos e concursos mostram que cotistas têm desempenho compatível com as vagas ofertadas, confirmando que a cota é forma de equilibrar oportunidades de estudo prévio, não de beneficiar candidatos sem preparo.

Inversão de racismo”: Não há “racismo reverso”. As cotas combatem o racismo estrutural, que vinha negando oportunidades iguais a milhões de brasileiros negros. Não criam privilégio imerecido a quem já tem vantagens sociais; ao contrário, nivelam o campo de jogo. A medida é legal e temporária, de acordo com princípios constitucionais. A maioria da população brasileira é negra ou parda, e a diversidade na administração pública fortalece a democracia, não prejudica ninguém.

“Não é mais necessário”: Embora tenha havido avanços (como o aumento de negros no ensino superior público, de 50% em 2016 para 55,6% em 2018), as desigualdades raciais ainda são gritantes. Sem as cotas, as vagas federais continuariam sendo ocupadas majoritariamente por brancos, perpetuando a exclusão histórica. Os dados citados evidenciam que negros ganham menos e têm menos acesso a cargos públicos de nível mais alto. Portanto, ainda hoje é necessário um mecanismo que acelere a inclusão social. Vale lembrar que a lei original (12.990/2014) tinha prazo de 10 anos justamente por ser transitória – a ideia é que, após corrigidas as distorções, as cotas sejam gradualmente reduzidas.

Conclusão: cotas como justiça social temporária

O sistema de cotas raciais nos concursos federais é uma política pública de reparação que visa equalizar oportunidades. Diferentemente de meramente sortear vagas, as cotas entendem que mérito não nasce em sociedade igualitária: cada candidato chega ao concurso com bagagens sociais diferentes. Assim, reservar vagas para negros reconhece que houve um processo histórico de bloqueio social, e busca rompê-lo. A título de justiça, espera-se que essa política seja temporária – de fato, a própria lei tinha vigência de 10 anos e agora foi prorrogada para corrigir pendências – até que pretos e pardos possam competir em pé de igualdade real. Adotadas em conformidade com a Constituição e com respaldo social, as cotas fortalecem a democracia e ampliam a diversidade dos quadros públicos. Em última análise, elas são um passo imprescindível para um Brasil mais justo e inclusivo, onde a cor da pele não determine o destino de ninguém.

Fontes : Dados e legislação oficiais (Lei 12.990/2014 e correlatas) e estudos do IBGE sobre desigualdade racial.